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Baía da Escocesa

Baía da Escocesa



Capítulo 1

Inglaterra, 1820

A chuva o estava encharcando e Adam Brenton, Visconde de Teriwood, sentiu frio. Um frio espantoso. Mas não pelo ar gélido, que formava redemoinhos com sua capa ao redor de suas pernas, mas pelo cano negro apontado a sua cabeça.

Sobrepondo-se ao assombro que o paralisava e tentando conservar a calma, olhou o sujeito que apontava a pistola. Um músculo lhe contraiu junto ao lábio superior, único indício que sentia a pressão do medo. Deu uma olhada rápida às longínquas e difusas figuras que trabalhavam sem descanso um pouco mais à frente.

Agora, pouco lhe importava o ir e vir dos marinheiros que descarregavam na praia, ainda que soubesse que eram contrabandistas. Não era uma ocupação incomum naqueles tempos. Muitos traziam mercadorias da França, e as autoridades, tão necessitadas de certos artigos quanto o povo, olhavam para o outro lado.

Mas naquela ocasião, não se tratava somente de contrabando. Não, ao menos, para o homem que agora lhe apontava a arma. Tinha-o visto entregar uma pasta ao capitão do veleiro francês. Por isso se encontrava em tão delicada situação. Sua estupidez permitiu que o descobrissem e agora... Não, definitivamente, a palavra para o desgraçado era «traidor».

Consciente da ameaça que enfrentava, desfilaram por sua cabeça mil imagens. Um torvelinho em sequência de toda sua vida em poucos segundos, que lhe pareceram eternos. Uma furiosa frustração se apoderou dele, porque teve consciência de que ia morrer, justo quando acabava de encontrar um motivo pelo qual aferrar-se à vida, uma razão pela qual lutar.

— Suponho que não há maneira de arrumar isto, como cavalheiros.

Disse para ganhar tempo, só um pouco mais de tempo, arranhar segundos à morte.

— Não, Brenton. Não há. — foi a resposta.

Adam sabia que só um milagre poderia salvá-lo. Nesse momento, perguntou-se por que tinha iniciado aquela errática investigação, ele, que nunca se teve por audaz, nem sequer ousado. Foi por honra? Esboçou uma ameaça de sorriso irônico. Sim, certamente foi isso, a maldita honra que o tinha levado à precária situação em que se encontrava. O pretexto que usava para justificar, na maioria das vezes, as ações mais desatinadas.

Doía deixar-se matar assim, sem opor resistência, como gado. Mais ainda, quando seu agressor tinha compartilhado com ele tão bons momentos; tinha chegado a considerá-lo seu amigo. Que idiota tinha sido, confiando nele. Agora, quando já era muito tarde, compreendia muitas coisas, todas as dúvidas se esclareciam. Desviou um segundo o olhar para o anel que o homem trazia na mão direita e que girava nervosamente com o polegar, deixando ver e ocultando a insígnia que creditava seu sobrenome. Pouco importava que o tivesse reconhecido e descoberto, por fim, sua traição, já que estava à mercê dele, que ia acabar com sua vida. Mas Adam tentou uma saída desesperada. A única que restava antes que o dedo de seu inimigo se curvasse sobre o gatilho: tomar-lhe a pistola. Em uma finta repentina, inclinou o corpo e se equilibrou para ele...

Chegou a tocar a arma.

Um instante sublime, que abriu um súbito caminho à esperança.

Mas Adam Brenton nunca tinha sido especialmente destro na luta corpo a corpo. Seu rival recuperou-se e aplicou-lhe uma joelhada que o dobrou em dois, fazendo-o grunhir e cair por terra.

Depois, imerso na bruma da dor, ouviu um insulto, apagado pela detonação de um disparo.

Logo percebeu que a bala atingia seu corpo. Curiosamente, não doeu. Porque a nuvem de inconsciência que começou a cobrir seus olhos o impedia. Mesmo assim, quis evitar que a areia entrasse em seus lábios, ao mesmo tempo em que se precipitava por uma rampa de escuridão em que caía, caía, caía... Em um resto de lucidez, soube que ia de cabeça ao inferno.

Quem lhe tinha disparado cuspiu sobre ele e depois o empurrou com o pé, para comprovar se seguia vivo. Assobiou e fez gestos aos marujos que trabalhavam na praia; aproximaram-se dois deles, a quem mandou que se desfizessem do corpo. Em silêncio, carregaram o Visconde de Teriwood, que já não era mais que um boneco quebrado, entraram na água e o soltaram. Ali, ficou flutuando ao compasso das ondas, enquanto eles voltavam para seus afazeres, esquecendo-se do cadáver. Rapidamente, o mar acolheu Brenton em um abraço úmido e gelado.

O olhar indiferente de seu executor, que seguia todos os passos, não deixou transparecer nada. Nem pesar, nem satisfação.




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